Gadañarei coma nas grandes rogadas do Vrao
tralos gadañeiros sucesivos
lambendo con brío os calcaños de diante.
Ir e vir a gadaña canta a ritmo binario
sobre um fondo roxe ou rio contino.
Uxío Novoneyra
sábado, 9 de janeiro de 2010
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Ruminar a manhã
três ovelhas três deitadas no pasto
meditam no devir cheias de melancolia
ou simplesmente olham a névoa?
três ovelhas três deitadas no pasto
fartas da abundante verdura
que a erva mansa o inverno traz?
três ovelhas três deitadas no pasto
tanto silêncio carregam nos olhos
por que ruminam elas a manhã?
meditam no devir cheias de melancolia
ou simplesmente olham a névoa?
três ovelhas três deitadas no pasto
fartas da abundante verdura
que a erva mansa o inverno traz?
três ovelhas três deitadas no pasto
tanto silêncio carregam nos olhos
por que ruminam elas a manhã?
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rimas infantis
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Negras penas
os estorninhos apagaram o sol do diospireiro
e talvez por isso as suas negras penas ficam luzidias.
inverno. as chuvas atordoam a manhã e o silêncio
das aves. é inverno: os que vêm de maio acomodam-se
no lugar enxuto. deixam passar as chuvas frias.
e talvez por isso as suas negras penas ficam luzidias.
inverno. as chuvas atordoam a manhã e o silêncio
das aves. é inverno: os que vêm de maio acomodam-se
no lugar enxuto. deixam passar as chuvas frias.
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os que vêm de maio
domingo, 13 de dezembro de 2009
Água ardente
fogueira
de giestas: escrevi
noite
crepita o sono do cão
no dorso do lume
*
o cão acorda, o pastor
procura (:escrevo garrafa)
garrafa só é intransitiva
aguardente
o pastor bebe
mastiga o pão devagar
quem acordou o pão?
Transumância, ed. Campos da Letras
de giestas: escrevi
noite
crepita o sono do cão
no dorso do lume
*
o cão acorda, o pastor
procura (:escrevo garrafa)
garrafa só é intransitiva
aguardente
o pastor bebe
mastiga o pão devagar
quem acordou o pão?
Transumância, ed. Campos da Letras
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sábado, 5 de dezembro de 2009
Aboiz
Há palavras assim, plenas de sonoridade e elegância camilianas, que surgem imprevistas. “Nunca é tarde para ofertar aos mortos a turibulação da nossa saudade”. Tomem nota: turibulação. Encontro o vocábulo no jocoso Seringador, para 2010, que turibula com o devido respeito os seus colaboradores. Neste caso, o metafórico incenso é queimado em honra de Arlindo Pinto, comandante do Posto da GNR de Felgueiras. “Poeta que durante muitos anos tomou como sua a voz do povo, cantando-a com verdadeira mestria, em poemas de brandura e doce encanto”. Tomem nota: a um poeta que parte nenhuma turibulação se afigura excessiva.
Todos os anos, quando assoma o mês de Dezembro, compro O Seringador. E faço-o em nome da terra, de uma remota memória da terra. Às vezes, como se viu, uma ou outra palavra cai na aboiz e acaba, enfim, ela por nos prender. Mas o que procuro é a terra, os suaves ciclos na sua matriz antiga: a época certa para as enxertias, o mês ideal para as sementeiras de ervilhas-de-cheiro ou abóbora-menina. Mas o clima troca-nos as voltas: reescreve, de forma brutal, a sabedoria milenar, desmente aqui e ali a experiência do Seringador, que se publica faz agora 145 anos. Há poucos dias, vi flor a despontar nas macieiras e ameixoeiras, quando nem tempo ainda é da magnólia florir; as hidranjas apresentam os primeiros rebentos, o que costuma a acontecer rente à Primavera; ainda não canta a tesoura de poda e brotam gomos nas videiras. Vejo lírios floridos. Tomem nota do que vos diz este amigo enquanto turibula a natureza: uma silenciosa e perigosa revolução se passa no íntimo da terra.
Todos os anos, quando assoma o mês de Dezembro, compro O Seringador. E faço-o em nome da terra, de uma remota memória da terra. Às vezes, como se viu, uma ou outra palavra cai na aboiz e acaba, enfim, ela por nos prender. Mas o que procuro é a terra, os suaves ciclos na sua matriz antiga: a época certa para as enxertias, o mês ideal para as sementeiras de ervilhas-de-cheiro ou abóbora-menina. Mas o clima troca-nos as voltas: reescreve, de forma brutal, a sabedoria milenar, desmente aqui e ali a experiência do Seringador, que se publica faz agora 145 anos. Há poucos dias, vi flor a despontar nas macieiras e ameixoeiras, quando nem tempo ainda é da magnólia florir; as hidranjas apresentam os primeiros rebentos, o que costuma a acontecer rente à Primavera; ainda não canta a tesoura de poda e brotam gomos nas videiras. Vejo lírios floridos. Tomem nota do que vos diz este amigo enquanto turibula a natureza: uma silenciosa e perigosa revolução se passa no íntimo da terra.
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Cimeira de Copenhaga,
O Seringador
sábado, 21 de novembro de 2009
Manhã
o homem comeu dióspiros
ficou com alma de pássaro. voa
como os pardais contra o vento
à procura de abrigo enxuto
na manhã.o homem atravessa
o temporal: vê árvores devastadas
no seu bramido assustado. o homem agora sabe
é de solar doçura a alma de pássaro.
ficou com alma de pássaro. voa
como os pardais contra o vento
à procura de abrigo enxuto
na manhã.o homem atravessa
o temporal: vê árvores devastadas
no seu bramido assustado. o homem agora sabe
é de solar doçura a alma de pássaro.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
O Muro caiu
Espanta-se. Os mesmos rostos a assomar à janela, o mesmo brilho viscoso do lajedo, a velha gata no alto da manhã lambendo o sol. Estranho, diz o homem. Ninguém o ouve, ninguém o conhece. Olha as fachadas, como turista atento à arquitectura de bairro proletário. Que procura? Talvez uma placa que lhe indique a casa onde nasceu. Mas na Rua das Musas não existe esse pequeno rectângulo de mármore para atear a memória. E o homem, por momentos, estanca na dúvida. Será aqui?
Desce até à esquina, ergue a cabeça: confirma. Sobe devagar o empedrado de granito, onde as “lágrimas” fabricavam “lama”. E um brusco desassossego emociona-o: a casa ainda existe? Pára. É aqui, só pode ser aqui. Hesita, suspende o gesto, a mão fechada. Recorda versos alheios, mas não a acha na memória; cita a ideia: feliz quem encontra a porta e chora diante dela. O braço avança, os nós dos dedos ressoam na madeira, uma vez, duas vezes. Silêncio. Ouve passos,
Quem é?, voz indecisa, receosa.
Sou eu.
Que deseja?
Eu procuro a casa onde nasci...
Enganou-se no número.
Silêncio. Os passos distanciam-se, arrastam murmúrios. O homem volta a bater, uma vez, duas vezes,
Abra, por favor.
Os passos de volta, mais rápidos, impelidos talvez pela ira. A porta abre bruscamente. Silêncio. O homem sorri, estende os braços, como se quisesse medir a largura da casa, a largura do mundo,
João... Que fazes aqui, João?!
Sabe o meu nome!
“Era uma vez um rapaz chamado João que vivia ...»
«... em Chora-Que-Logo-Bebes, exígua aldeia aninhada perto do Muro...», continuou o João. Abraçam-se, desmedida ternura como sempre acontece quando alguém descobre uma personagem fora do livro.
Entre, a casa é sua. Entre, sempre foi sua.
A porta encerrou devagar contra a luz da manhã. Os passos por dentro da casa, por dentro da úmbria, por dentro da memória, sobem estrepitosas escadas de madeira. Felizes, o autor e a personagem.
Sente-se, por favor: sente-se.
O homem senta-se, na única cadeira da sala vazia, imersa na claridade da manhã que entra pelas janelas. No alto da parede, um letreiro (esse sim, sabia-o de cor) prende-lhe os olhos: “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”.
Esteve algum tempo afixado na fachada, mas os vizinhos apresentaram queixa na Câmara Municipal...
Queixa!
Sim, uma queixa, um abaixo-assinado. E foram à Assembleia Municipal expor de viva voz o caso. Além de escrito a vermelho, alegaram, o letreiro dava má fama à rua. Que, apesar do nome, é de gente séria e honesta...
E os da Câmara?
Mandaram dois funcionários com uma escada retirar “esse atentado à decência». Acudi a tempo, e guardei-o. É tudo o que tenho, é o meu tesouro. Quando, há bocado, ouvi bater à porta, julguei que eram eles. Acredite, fiquei com medo.
Medo. Tu tens medo, João!
O Muro caiu. Andamos todos espantados de existir.
Desce até à esquina, ergue a cabeça: confirma. Sobe devagar o empedrado de granito, onde as “lágrimas” fabricavam “lama”. E um brusco desassossego emociona-o: a casa ainda existe? Pára. É aqui, só pode ser aqui. Hesita, suspende o gesto, a mão fechada. Recorda versos alheios, mas não a acha na memória; cita a ideia: feliz quem encontra a porta e chora diante dela. O braço avança, os nós dos dedos ressoam na madeira, uma vez, duas vezes. Silêncio. Ouve passos,
Quem é?, voz indecisa, receosa.
Sou eu.
Que deseja?
Eu procuro a casa onde nasci...
Enganou-se no número.
Silêncio. Os passos distanciam-se, arrastam murmúrios. O homem volta a bater, uma vez, duas vezes,
Abra, por favor.
Os passos de volta, mais rápidos, impelidos talvez pela ira. A porta abre bruscamente. Silêncio. O homem sorri, estende os braços, como se quisesse medir a largura da casa, a largura do mundo,
João... Que fazes aqui, João?!
Sabe o meu nome!
“Era uma vez um rapaz chamado João que vivia ...»
«... em Chora-Que-Logo-Bebes, exígua aldeia aninhada perto do Muro...», continuou o João. Abraçam-se, desmedida ternura como sempre acontece quando alguém descobre uma personagem fora do livro.
Entre, a casa é sua. Entre, sempre foi sua.
A porta encerrou devagar contra a luz da manhã. Os passos por dentro da casa, por dentro da úmbria, por dentro da memória, sobem estrepitosas escadas de madeira. Felizes, o autor e a personagem.
Sente-se, por favor: sente-se.
O homem senta-se, na única cadeira da sala vazia, imersa na claridade da manhã que entra pelas janelas. No alto da parede, um letreiro (esse sim, sabia-o de cor) prende-lhe os olhos: “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”.
Esteve algum tempo afixado na fachada, mas os vizinhos apresentaram queixa na Câmara Municipal...
Queixa!
Sim, uma queixa, um abaixo-assinado. E foram à Assembleia Municipal expor de viva voz o caso. Além de escrito a vermelho, alegaram, o letreiro dava má fama à rua. Que, apesar do nome, é de gente séria e honesta...
E os da Câmara?
Mandaram dois funcionários com uma escada retirar “esse atentado à decência». Acudi a tempo, e guardei-o. É tudo o que tenho, é o meu tesouro. Quando, há bocado, ouvi bater à porta, julguei que eram eles. Acredite, fiquei com medo.
Medo. Tu tens medo, João!
O Muro caiu. Andamos todos espantados de existir.
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Aventuras de João Sem Medo,
José Gomes Ferreira
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