sábado, 5 de dezembro de 2009

Aboiz

Há palavras assim, plenas de sonoridade e elegância camilianas, que surgem imprevistas. “Nunca é tarde para ofertar aos mortos a turibulação da nossa saudade”. Tomem nota: turibulação. Encontro o vocábulo no jocoso Seringador, para 2010, que turibula com o devido respeito os seus colaboradores. Neste caso, o metafórico incenso é queimado em honra de Arlindo Pinto, comandante do Posto da GNR de Felgueiras. “Poeta que durante muitos anos tomou como sua a voz do povo, cantando-a com verdadeira mestria, em poemas de brandura e doce encanto”. Tomem nota: a um poeta que parte nenhuma turibulação se afigura excessiva.
Todos os anos, quando assoma o mês de Dezembro, compro O Seringador. E faço-o em nome da terra, de uma remota memória da terra. Às vezes, como se viu, uma ou outra palavra cai na aboiz e acaba, enfim, ela por nos prender. Mas o que procuro é a terra, os suaves ciclos na sua matriz antiga: a época certa para as enxertias, o mês ideal para as sementeiras de ervilhas-de-cheiro ou abóbora-menina. Mas o clima troca-nos as voltas: reescreve, de forma brutal, a sabedoria milenar, desmente aqui e ali a experiência do Seringador, que se publica faz agora 145 anos. Há poucos dias, vi flor a despontar nas macieiras e ameixoeiras, quando nem tempo ainda é da magnólia florir; as hidranjas apresentam os primeiros rebentos, o que costuma a acontecer rente à Primavera; ainda não canta a tesoura de poda e brotam gomos nas videiras. Vejo lírios floridos. Tomem nota do que vos diz este amigo enquanto turibula a natureza: uma silenciosa e perigosa revolução se passa no íntimo da terra.

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