segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Bétula
Serás a humílima árvore.
A árvore a tinta
da china desenhada.
A árvore de papel.
Serás a bétula
abstracta e concisa.
A bétula do Nepal.
A que não existe
senão na linguagem.
Serás a que sonha os dias,
as noites, as lembranças.
A que protege
da ira inclemente.
A que protege
do sopro do tempo.
A da sombra feliz.
Luís Quintais
ANGST, edições Cotovia, 2002
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os poemas da minha vida
sábado, 27 de setembro de 2014
A paixão segundo
no gerês reparto contigo
os verdes dias
a ternura do vinho lentamente
palavras como giestas floridas
que só encontro no gerês
e todas as flores de urze
virão poisar no teu cabelo
delicadeza de veados apaixonados
e há um rio escondido no arvoredo
para o teu corpo.
*
faltou-nos a coragem
de travar o nascer do dia
(como quem adia um sonho)
para que a noite
fosse noite e sempre poesia
*
abro a janela aberta e voo
como uma mancha verde de sangue
sobre a toalha - da mesa
o vinho.o pão, o talher.
a telefonia derrete-se em coisas absurdas.
*
da transumância dos pastores-poetas
nunca ninguém soube nada ao certo
dizem que se perderam no de lírio das primavera.
*
o papel é branco
como a morte azul
dos pássaros
nesta aratória triangular
lanço-lhe as palavras.
*
acordo todas as manhãs
com o sol entre os dedos
dos pés. um sol limpo
digno dos meus sonho a preto
e branco.
gerês, 1983, ano do senhor
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poesia retro
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
Guardador
quem escuta
o silêncio da manhã?
eu oiço-o com os olhos
*
que segredos guardam as palavras
quando repousam sobre o teu rosto?
*
repouso
o meu trabalho é simples
sou guardador
*
aqui não há palavras
não vendemos mais palavras
só um grito:
é preciso assustar o medo
rossas,agosto de 1985
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Rossas,
Vieira do Minho
terça-feira, 23 de setembro de 2014
Palavras novas
*
os olhos.a cerveja. o cigarro
(os meus instrumentos da melancolia)
no pulso um caracol de tédio.
*
esta noite viajo num cigarro acesso
de estrelas
atravesso montanhas.redescubro árvores
adormecidas enquanto procuro palavras novas
no interior da linguagem muda das coisas.
dispo-me numa lentidão vertiginosa.
*
o meu desencanto nem sequer serve
para escrever poemas
ou para que haja um aumento
da produção cultural
segundo freud ou marcuse, não sei.
no entanto conheço muitas marcas
(boas e más) de vinhos.
*
o rebanho por dentro
do nevoeiro, o pastor passeando
na leveza húmida da manhã.
*
o vento é leve
como uma maçã
perdida na infância.
*
Caça
já abateram todas as aves de espanto.
*
a noite cresce como uma ave de pasmo
no silêncio enorme.
Vieira do Minho, 1985, ano do senhor
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Vieira do Minho
sábado, 20 de setembro de 2014
Fogo
*
apenas rima colorida
serve a ervilhas-de-cheiro
do fértil quintal de maio
e seu lume imaterial
no cântico das rãs
que morrem de amor
nos agriões do velho poço
a rima já a ouço
colorida e sensual
apenas rima colorida
serve a ervilhas-de-cheiro
do fértil quintal de maio
e seu lume imaterial
no cântico das rãs
que morrem de amor
nos agriões do velho poço
a rima já a ouço
colorida e sensual
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quinta-feira, 18 de setembro de 2014
[Olhos de cabras]
*
cobre-me de mim
que não sou nada.
de vazios
de partículas alinhadas,
de movimentos organizados.
cobre-me de olhos
vazios.
olhos de cabras,
de cabras empinadas
no cimo dos penhascos.
cobre-me de olhos de cabras
empoeirados nos vazios.
*
e agora desfecha-me
para ver quem sou,
o que sou.
dá-me luz invernada,
contornos amassados
e calor imberbe.
ÓSCAR POSSACOS
Cantaria
ed.Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2014
cobre-me de mim
que não sou nada.
de vazios
de partículas alinhadas,
de movimentos organizados.
cobre-me de olhos
vazios.
olhos de cabras,
de cabras empinadas
no cimo dos penhascos.
cobre-me de olhos de cabras
empoeirados nos vazios.
*
e agora desfecha-me
para ver quem sou,
o que sou.
dá-me luz invernada,
contornos amassados
e calor imberbe.
ÓSCAR POSSACOS
Cantaria
ed.Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2014
sábado, 6 de setembro de 2014
VENTO
*
As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Livraria Sá da Costa Editora
As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Livraria Sá da Costa Editora
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Casa
o garfo tem o dente
cariado e sorri
num hálito de ferrugem
deslumbrada a velha faiança
faz uma silhueta
quebrando-se sobre os mosaicos
desgastados.
*
A Crise
havia necessidade
de criar centros de culto:
as pessoas estavam esgotadas
de pensar só pela sua cabeça.
*
Mulher
a mulher do fu
turo é de cim
ento amado.
*
depois o
homem sentiu-se traído por deus
e criou o satélite.
o garfo tem o dente
cariado e sorri
num hálito de ferrugem
deslumbrada a velha faiança
faz uma silhueta
quebrando-se sobre os mosaicos
desgastados.
*
A Crise
havia necessidade
de criar centros de culto:
as pessoas estavam esgotadas
de pensar só pela sua cabeça.
*
Mulher
a mulher do fu
turo é de cim
ento amado.
*
depois o
homem sentiu-se traído por deus
e criou o satélite.
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