sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Estou vivo e escrevo sol

a Ruy Belo

Escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol


Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida


Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

António Ramos Rosa

A Palavra e o Lugar
Publicações Dom Quixote, 1977

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