quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Não sei nada




         Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar,
diria que sou um domador de  palavras. Mas só eu – eu e os
meus irmãos – sei em que medida sou eu que sou domado
 por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem
o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho deter-
minado antes da grande aventura.
        Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio.
O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar,
rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos
que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o
contrário dos pássaros, embora “pássaro” seja uma das pala-
vras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida
não  interessa. Alguém que me procure tem de começar – e de
se ficar – pelas palavras.  Através das várias relações de vizi-
nhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a
saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.

Ruy  Belo

Obra Poética, volume 1
Editorial Presença, 1981

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