sábado, 22 de dezembro de 2012

AOS QUE VIRÃO A NASCER



Em verdade, vivo em tempos escuros!

A palavra ingénua é louca. Uma testa lisa

Denota insensibilidade. O que ri

Ainda não recebeu

A terrível notícia.



Que tempos são estes, em que

Uma conversa sobre árvores é quase um crime,

Porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios!

O que acolá calmamente cruza a rua,

Não será ele talvez já acessível aos amigos

Necessitados?



É verdade: ainda ganho o meu sustento.

Mas acreditai-me: é só um acaso. Nada

Daquilo que faço me dá o direito de comer e fartar.

Por acaso fui poupado. (Quando se me acabar a sorte

Estou perdido.)

Dizem-me: Come e bebe! Alegra-te, já que o tens!



Mas como posso eu comer e beber, quando

Tiro ao faminto o que como, e

O meu copo de água falta ao que morre de sede?

E no entanto como e bebo.



Também gostava de ser sábio.

Nos velhos livros vem o que é ser sábio:

Manter-se alheio à luta do mundo, e o curto tempo

Passá-lo sem receio.

Também viver sem violência

Pagar o mal com o bem

Não satisfazer os desejos, mas esquecer

Vale por sábio.

E tudo isto é que eu não posso:

Em verdade, vivo em tempos escuros!



Bertolt Brecht

in Poemas e Canções, versão portuguesa de Paulo Quintela

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