segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Segunda pessoa

Alguém diz tu. Alguém sem nome.
É a terra e o corpo e é o rasto de um sentido.
Alguém diz tu à imagem que se esgarça,
à certeza de uma longínqua razão.
Longe. O passado. Nomes, errados nomes de desejo.
Cego de insónia, nem lembrar te posso.
Nem mesmo em sonho saberia ver-te.
És só o pronome, tu, a ondular-me na boca,
norte magnético num desespero em surdina.
És a sílaba que dói a dor solar de um sentido.
A história avança na cabra-cega sem rostos,
e eu vivo em ti o tu mais só da minha vida.

Óscar Lopes


Óscar Lopes faz hoje (2 de Outubro) 90 anos. Nas noites de insónia escreve poemas, mas só o que aqui transcrevo, Segunda pessoa, foi publicado, há mais de duas décadas, na Ilha dos Amores, edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Linguista, historiador da literatura, ensaísta, leitor apaixonado, Óscar Lopes deu a vida toda à "pobre gente, toda gente": a avó chorou de desgosto quando soube que ele era comunista. "E eu", contou um dia, "chorei, porque ela chorou".

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