quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cimeira ibérica

os grandes plátanos
sereníssimos
na alfândega do porto
rodeados de autoridade



tantos polícias
e as árvores não voam
nem escondem armas brancas
no meio da sua verdura

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A barca da alegria

o que há de vir
será a coisa mais linda

prepara a barca da alegria
vais precisar dela.

terça-feira, 17 de abril de 2012

A PALAVRA É UMA BELA CEREJEIRA

povoa-se a palavra
de pequenina flor branca.
a palavra é uma bela cerejeira
se a escrevo no mês de abril.

vêm as chuvas
esborratam a brancura
se transmuta em cereja
a palavra que fica rubra
quando maio a mão a escreve.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

FRAQUEZA PEQUENO-BURGUESA

Custa-me
sentir-me por vezes
sozinho
entre camaradas
mas claro
que isso não é
proibido


É verdade
que também conheço
camaradas
que gostariam de proibi-lo
Entres esses
sinto-me
sozinho


Erich Fried

in 100 Poemas sem Pátria

segunda-feira, 26 de março de 2012

O devaneio da escrita

um bando de gralhas sobre
a escrita
imoral como gavião que cativa
indefeso perdigoto.
que procura o bando: o coração ferido
da palavra ou agasalho nos ramos frios do inverno?
digo, traz a caçadeira
e cartuchos de chumbo 8: este espéce de gralha
maior não é que tordo de papo ruivo.
retomo o rito antigo de caça
pela luz da alva
dissimulado na brancura do papel
a velha espingarda de canos parelelos aperrada

mas o descuido do cão pisa a tinta fresca
espanta a espécie no devaneio da escrita
na primavera audaz cheia de devir.

terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera

Quando te vejo pela manhã
até me apetece ser eterno.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Crónicas de Morfina Mendes

O Prof. Cavaco Silva, "provedor do povo", passa por dificuldades. A reforma é curta, sequer dá para as tesouras da poda. O Prof. Cavaco, um dos muitos reformados deste país forçados a trabalhar até ao fim, nos raros momentos de lazer poda as suas laranjeiras. E nessa arte, dizem-me, o "provedor do povo" demonstra habilidade. Este país, desde a sua longínqua génese afonsina, foi desenhado, conquistado, arroteado para os velhos. Reforma curta, nem chega para compor o avental, ou adquirir o apetrecho para a solidão digital, ou a embalagem de comprimidos que afugentam pesadelos. Noites frias, velhice fria, reforma fria como as mãos dos velhos. Ao povo português coube um "provedor" da penúria; depois de uma longa e árdua vida de trabalho, duas reformas, somadas, igual a miséria. Miséria, miséria. Este país, talvez pelo sabor a vinho do Porto, não é para os novos. A reforma breve. Talvez o Dr. Mário Soares, num dos seus gestos de travar o fim da (nossa) História, se candidate à presidência da JS. Talvez o Dr. Artur Santos Silva, num sublime acto de despojamento, abandone a Gulbenkian e se dedique a escrever a biografia de um tal Sebastião Ribeiro, jurista, defensor de antifascistas, republicano, expulso pela Ordem dos Advogados. Caído no olvido. Talvez o Prof. Eduardo Catroga, num gesto humilde, abdique da EDP e dos outros sítios onde administra e adicione sua reformita à reformita do “provedor do povo” e, seguindo o exemplo de Mofina (ou morfina) Mendes, criem o primeiro banco mundial para financiar os velhos que precisam de trabalhar quando chegam a velhos.
Um país com “o provedor do povo” na penúria, sem dinheiro nem saliva para comprar e colar os selos para as cartas de reposta às cartas que recebe do povo, da plebe, um país assim nem é sequer um “lugar mal frequentado”. É o vazio. É indignidade. É o nada – e “nada nos falta porque nada temos”.