domingo, 1 de junho de 2014

Ocupação da paisagem




arroteia-se o chão bravio
o tojo, raízes
fetos, urze outros arbustos
de teimosia à secura
se faz monte de palavras
mortas que o fogo ilumina.


cinza uma ou outra ponta
de raiz por arder
o ancinho junta esses focos de resistência
que a luta homem fogo terra
é muito antiga


de novo o fogo
serpe de fumo a desentender-se
no dia claro.

uma voz ao fundo
o homem suspende o gesto
livra os bois do jugo
transitória acalmia
na clareira cercada pelo bosque
e seu doce alvoroço de seiva.

ocupação da paisagem
pela rebeldia domesticada do gado
à força de braços
alvião enxada ferro de monte
se amanha a pedra
amanhã rasga-se alicerce
as pedras acham a cama
harmonioso afagar de cantaria
se abraçam entrelaçam
sobem devagar como árvore
de fruto: eis os socalcos
a embargar aluviões do devir

da cinza das palavras mortas
novo vocábulo desponta
a paisagem se r e p a r t e
e não é de todos: a posse excluiu
levanta sebes muros
paredes de pedra maneirinha

o mundo dos recolectores na rota dos frutos
viver silvestre entre penúria e bagas maduras
entre conchas marinhas e o veado cativo
na armadilha: essa humanidade
se mistura nos restos de folhas
ossos fragmentos de galeões
e se forma matéria da aluvião

palavras mortas tojo raízes
arbustos caroços de pessegueiro bravo
fogo
o fogo não tem memória.
*


Antes da lua, entra no bosque

um traço – crepita o mundo num devir
de outrora. usufruto natural da fadiga
que a noite enxuga.
ele trabalha até ao último vestígio claro
cultiva a paisagem: cadabulha lá onde
a ignorância do arado não escreve terra limpa.
antes da lua, entra no bosque : redime árvore
morta: a mão, um traço – se alumia o inverno
pela cor inaudível da tangerina.





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