O boi era o símbolo da valentia da nossa terra. O boi do povo!, explica o homem que tivera de fugir da sua aldeia, porque a barragem tudo engoliu: casa, sonhos, campos, odores, melancolia. Chegávamos o nosso boi ao boi do povo vizinho. Os animais olhavam-se, marcavam o território. Em redor, o povo quieto e mudo – mas os corações esbracejavam em sobressalto. Então, os bois surgiam, cegos de fúria, estalejavam os cornos. Se a chega fosse leal, turravam um bom bocado, sob a algazarra da gente que incitava o Bonito, que incitava o Malhado! Não havia empate. Um dos bois deixava cair a valentia no campo. Fugia. Por vezes, o vencido afocinhava gravemente ferido. E nem sempre a vitória era pacífica: tudo se esclarecia com meia dúzia de pauladas e outras tantas cabeças a sangrar. Aluta bovina acabou. Na última romaria, disse o homem sem terra, alguns dos nossos antigos habitantes crisparam-se com os antigos vizinhos: os outros eram em maior número, fizeram recuar os nossos. De caçadeiras nas mãos, nessa mesma noite invadiram a aldeia dos outros: esfacelaram , a tiro de zagalote, os fios da electricidade. A escuridão irrompeu como alma penada. Olhe, as equipas regressam ao relvado. Os bois, os bois sem o olhar manso, corrige o homem sem terra.
In O Homem do Saco de Cabedal
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário