quinta-feira, 19 de julho de 2012

Medievo

Senhor meu amo, escutai-me,
a donzela espera por vós, no balcão.
Cuidai que não acorde os fâmulos
a paixão que estremece o vosso peito.
Os galgos estão inquietos, a alimária pateia.
Rogo-vos que vos apresseis.


Adélia Prado

Bagagem, ed. Guanabara

Amor Violeta

O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge o meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.


Adélia Prado
Bagagem, ed. Guanabara

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Gato nocturno





à noite nos beirais

passeia-se a sereia

e a lua violada

sugere cada ideia



jogar à bisca entre os seios da donzela

implantar a anarquia

partir a trela

rasgar os cortinados

pular pela janela

ir cear anjos doces

com canela



josé martins garcia

Feldegato cantabile

ed. Paisagem, 1973

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Encontro

Da árvore vergada
chamei
pelo nome o peixe irado.
Tracei à volta da lua branca
uma figura, alada.
Veio-me o sonho caçador
que sonha cobrir a presa.

Castelos de nuvens sobre o rio,
é a minha voz,
luz de neve sobre as florestas,
é o meu cabelo.
Pelo céu sombrio
cheguei,
erva na boca, a minha sombra,
encostada à cerca de madeira, disse:
Leva-me de volta.

Johannes Bobrowski
Trad. João Barrento

Como um Respirar, ed. Cotovia, 1990

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Pavese outra vez

Em qualquer ofício ou profissão é possível viver segundo
o cliché desse ofício ou profissão, isto é, fingindo.
Mas o escritor ou artista não. Seríamos bohémiens,
cretinos insuportáveis. Porquê? Porque a arte e o
escrever não são ofícios, pelo menos na nossa época.

Cesare Pavese
in Ofício de Viver, Diário (1935-1950)
Portugália Editora 1968

quarta-feira, 27 de junho de 2012

4. POVO



Pequeno povo, luta sem espadas e sem balas
pelo pão, pela luz e pela canção de todo o mundo.


Guarda sob a língua os gemidos e os vivas
e quando se decide a cantá-los, até as pedras rebentam.


Giánnis Ritsos
Dezoito Dísticos para a Pátria Amargurada (1973)

In Antologia, trad. Custódio Magueijo
Ed. Fora do Texto, Coimbra 1993

quinta-feira, 31 de maio de 2012

AGUA DORMIDA

Quiero saltar al agua para caer al cielo.


Pablo Neruda

Crepusculario
Editorial Losada, Buenos Aires, 1961