terça-feira, 11 de setembro de 2007

Memória artesanal















Por Setembro corre o aroma das maçãs. O caçador afaga o
vício dos cães. O escárnio das romãs acirra os frios do
Inverno. E eu, andarilho, num bosque de palavras remotas.
Por Setembro despovoam-se os milheirais, o mosto cabisbaixo
raptado pelas vespas. Da abóbora-menina um derradeiro
e escusado braço - dará flor, jamais fruto. Por Setembro amadurece
o marmelo e pássaro algum o cobiça: fruto humilde e ázimo
que a mulher transmuta em paciente doçura.

S. Pedro do Sul

Os dióspiros incendeiam a manhã
em S. Pedro do Sul, na aldeia do Paraíso.
Nem uma folha, só os frutos: agasalho de lume.

sábado, 8 de setembro de 2007

O homem na névoa lembra-se da mãe


O homem na névoa lembra-se da mãe. “Antigamente os pássaros não voavam”, diz. Dos campos lavrados, diante dos seus olhos, levantam-se pombas, em bando. Campos lavrados de fresco, há sementes ainda em busca do fértil coração da terra: as pombas e de mais aves conhecem bem esta falha, a correria imóvel de grãos indefesos. No mês de Maio (continua a mãe na lembrança), a névoa ilumina as sebes de camélia, as folhas da figueira. Ilumina a magnólia, errante na folhagem densa: a magnólia, a curtir o luto da morte temporã das suas flores.

Depressa o bando se dilui na delicada penumbra humedecida. O homem olha devagar, retém a paisagem. “Antigamente pensava: os pássaros não voam”.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Paixão

os homens pré-históricos
desconheciam o verbo amar.
na partilha da paixão
decepavam o primeiro m de mamute
e ofereciam um raminho de alecrim.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Das coisas triviais

as aves voam
eu escrevo: voar, ave, viagem.

as aves voam.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Nudez reclinada

viajei em todos os eléctricos, josé.
fiz o mesmo nos autocarros do
porto, esses que inçam a cidade
de manhã e a despovoam
ao fim do dia. e ela, josé, não veio
sentar-se ao meu colo. suicidou-se,
por seis meses, a nossa musa?
diz-me, josé: onde poderei achar a nudez
reclinada da mulher azul?
ela não não existe! - insiste o outro,
o outro que trago agachado em mim, josé,
josé diz ao outro, diz-lhe: a mulher azul
já não viaja de eléctrico,
comprou um automóvel.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

vidoeiros

nunca vi éguas selvagens

descerem dos teus seios para o pasto


o pior é galope do cavalo emparedado

na cabeça,

deste cavalo que anseia a fuga a fuga

sempre insatisfeito com a verdura

dos olhos.