sexta-feira, 24 de abril de 2015

Espólio

*

É nos bolsos que cabe o que nós somos.
Levamos tudo logo pela manhã,
são remorsos junto de laranjas,
são recados tristíssimos, romances.

Lâminas enferrujadas e romãs,
longínquas romãs e efemérides,
garras rasgando os rins,
venenos subtis e laços desatados.

É nos bolsos que somos
lembranças, compromissos
e mãos que se arreceiam,
molhadas de experiência.

Maio sob papéis, manchas de tinta,
algum cotão e fósforos,
um telegrama velho, uma moeda,
um pouco de alegria misturada a tabaco.

António Rebordão Navarro

Longínquas Romãs
e alguns animais humildes

ed. Asa

*
O António deixou-nos antes de "Maio sob papéis",
no mais infinito silêncio; é tão frágil a memória,
é tão cruel o esquecimento.

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