Conheço as palavras pelo dorso. Outro,
no meu lugar,
diria que sou um domador de palavras. Mas só eu – eu e os
meus irmãos – sei em que medida sou eu que sou
domado
por elas. A
iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem
o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho deter-
minado antes da grande aventura.
Sim.
Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio.
O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez
inchar,
rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras
são seixos
que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e
caem. São o
contrário dos pássaros, embora “pássaro” seja uma
das pala-
vras. A minha vida passou para o dicionário que sou.
A vida
não interessa. Alguém que me procure tem de
começar – e de
se ficar – pelas palavras. Através das várias relações de vizi-
nhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez
venha a
saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não
sei.
Ruy Belo
Obra Poética, volume 1
Editorial Presença, 1981
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