Vila do Conde
(Ou a força da fé)
No rio, dois homens e dois peixes (e depois um menino)
nadavam através da água transparente de cristal.
Dum lado eram margens com árvores e erva e sinceirais
verdes.
Do outro era o cais liso de pedra branca e muitos vapores
acostados doutros tempos.
Perguntei: como conseguiram nestes tempos água tão
transparente?
Os homens disseram: a água transparente do rio a con-
seguimos com orações. E com orações acalmamos
as tem-
pestades do mar.
Mas que palavra esquecida me concedeu o santo no
secreto ermitério de verde e perfumada
doçura?
Na cidade, dum lado e doutro do rio, subsistiam ainda
núcleos de casas antigas pela imaginação
criadas. Suas pe-
quenas fachadas ornadas apertadas entre
si se debruçavam
sobre a rua, no tempo oscilantes.
Do outro lado, ao sopé do monte de Sant’Ana, três,
quatro, se reuniam à volta do ano de
1725, cravado ao alto
de porta e vibrando ainda noutros anos
vizinhos, como
núcleo mais forte do passado.
E ao fim, no pátio da última casa, através da janela
gradeada, caía a água em fios
simultâneos ao badalar
da campainha.
E ainda através da janela se via a folhagem da trepa-
deira e logo ali aproximado a toalha
lisa e refulgente do
mar azul prata.
27-VI-1980
Dalila
Pereira da Costa
A
cidade e o rio
Edições
Nova Renascença, 1982
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