segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Dalila Pereira da Costa



               Vila do Conde
             (Ou a força da fé)

    No rio, dois homens e dois peixes (e depois um menino)
nadavam  através da água transparente de cristal.
    Dum lado eram margens com árvores e erva e sinceirais
verdes.
    Do outro era o cais liso de pedra branca e muitos vapores
acostados doutros tempos.
    Perguntei: como conseguiram nestes tempos água tão
transparente?
    Os homens disseram: a água transparente do rio a  con-
seguimos com orações. E com orações acalmamos as tem-
pestades do mar.
     Mas que palavra esquecida me concedeu o santo no
secreto ermitério de verde e perfumada doçura?
     Na cidade, dum lado e doutro do rio, subsistiam ainda
núcleos de casas antigas pela imaginação criadas. Suas pe-
quenas fachadas ornadas apertadas entre si se debruçavam
sobre a rua, no tempo oscilantes.
     Do outro lado, ao sopé do monte de Sant’Ana, três,
quatro, se reuniam à volta do ano de 1725, cravado ao alto
de porta e vibrando ainda noutros anos vizinhos, como
núcleo  mais forte do passado.
    E ao fim, no pátio da última casa, através da janela
gradeada, caía a água em fios simultâneos ao badalar
da campainha.
     E ainda através da janela se via a folhagem da trepa-
deira e logo ali aproximado a toalha lisa e refulgente do
mar azul prata.
                                         
                                                        27-VI-1980

Dalila Pereira da Costa
A cidade e o rio
Edições Nova Renascença, 1982

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