segunda-feira, 23 de junho de 2014

QUANDO NA MINHA TERRA AS FLORES SE ANUNCIAM

Ao António Ramos Rosa


Quando na minha terra as flores se anunciam
e as belas raparigas acordam entre a chuva
com o azul dos seus olhos forrando um céu recente,
então sei que viver é ser um rio apenas,


um rio adolescente, um rio sem limites
correndo entre os lábios e os dedos da carícia
como um rapaz de luz para o coração do mundo
como um barco de sol entre as veias do sonho.


Então sei que é verdade a cabeça e a montanha
e o meu amor nascendo na linha do horizonte
como a face da manhã apoiada na mão,
como a laranja madura entre os cabelos da noite.


Quando na minha terra o perfume das rosas
enche todo o vale e sobe pelas colinas
e a rapariga do vento para a meia encosta,
com os braços carregados de flores e de pólen;


quando os pássaros interiores se escapam pelos dedos,
tocando com as asas o espaço da cabeça,
quando os velhos assomam ao limiar das casas,
colhendo em suas rugas o primeiro desejo;


quando a rapariga de Maio desce pela encosta
com as flores de giesta e as amoras silvestres,
então é bom sentir a cintura da ânfora,
as têmporas unidas, as mãos que viajam.


Então é abandonar a alma sem fronteiras,
o corpo entre as abelhas e os salgueiros em flor,
comer o alvo pão em toalhas de desejo,
correr com a cabeça erguida entre os pássaros,


aproveitar os dias até à última migalha
e receber a noite como se recebe a amante.

José Terra
Obra Poética, ed. Modo de Ler
Colecção As Mãos e os Frutos




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