Praga de gafanhotos, primeiro. Arruína sementeiras, flor, os frutos. A Primavera surge sem a cor e os seus cheiros, parece a terra coberta por penas de corvos – sisudas aves mais velhas que a eternidade. Depois, as chuvas. Abundantes, espessas. Nem os remotos sumérios teriam assistido a dilúvio igual. Calamidade. Dívida por saldar a apócrifos deuses: “Engorda, o monstro”. São estas palavras, apenas e só, do presidente da devastada República de Erros Meus, Má Fortuna, no facebook. Ele, homem da caneta, remoçava através da moderna, barata, e limpa forma de solidão dividida. Poupa no papel, na voz, na imagem. E está em todo o lado, toda a parte, à semelhança do Deus bíblico que nos vigiava a infância. Cada mensagem, concisa, a lembrar imaculado haiku, logo repousa em frondosa base de “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”. A última, a do monstro, súbito se povoaria do lisonjeiro e original comentário. Uma dúvida assombra a serenidade presidencial. Gostam do monstro ou da metáfora? Se é do monstro, a insânia devora em definitivo a ditosa pátria sua; se foi a imagem, desvario de igual modo será. Calamidade. “Monstro apátrida”, reconhece, pela primeira vez. “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”.A enxurrada suaviza, reúne o Conselho. O mais velho profere: “É preciso escorchar o monstro”. Depois de sucinta evocação da penúria no tempo de uma sardinha matar fome a duas bocas, o presidente arremessa a palavra mágica. “Poupar, meus senhores. Truncar o supérfluo”. Em tom visionário, anuncia. “O país tem um nome extenso, dispendioso”. Pausa, cerra os olhos (será essa sua forma fadista de juntar grandes números redondos). “O dinheiro dispendido na vírgula dá para construir quatro estádios de futebol, um aeroporto moderno, sete pólos, sete, universitários no interior!” Sem votos contra, cai a vírgula, o muro, desagrega-se a Má Fortuna. Da pobreza beneditina, o homem da tinta permanente colhe a virtude do despojamento: arma contra metáfora apátrida. Nasce a República de Erros Teus. De velha pátria cansada, desacreditada, apruma-se país novo, maneirinho no dizer como livro de bolso. Um conselheiro felicita “a brutalidade” do corte, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”. Todavia, sublinha, o nome afigura-se ainda sumptuoso, despesistas: para quê dois se um r basta.“Só Deus basta!”Grita outro conselheiro, antigo ministro, agasalhado por três reformas e a dedicar-se à hagiografia. Ninguém ouve o grito contra a heresia. Golpe de génio, o r a menos. O presidente ergue-se, aproxima-se do conselheiro: “Afectuosamente o abraço. acaba de salvar a pátria”. Ou outro diz: “Em nome de escorchar o monstro, os advérbios no modo como o que acaba de dizer, açambarcadores de espaço, devem ser banidos”. “Aprovado”, rejubila o presidente de Eros Teus.Anunciada a medida, imenso cardume “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, “gosto”, navega feliz na página oficial. Um seguidor fura essa espécie de unicidade de peixe de viveiro, escreve: “gosto perdidamente”. A notícia, as sociais não são rede de pesca, corre mundo. “Castidade deixou de ser virtude”, murmura o chefe do Estado ou ouvido do hagiógrafo. “Lembre-se: um país sedutor, mesmo pequeno, nunca é completamente pobre”.
Publicado no JL
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
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