quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O rebanho

Somos árvores, sem nome como os animais bravios. Acossadas, árvores acossadas: como animais bravios. O fogo persegue-nos desde o início dos tempos. Cerca-nos. Como se fôssemos animais bravios. O fogo, cego caçador cego, levanta paliçadas de chamas à nossa volta – isola o caminho, todos os caminhos. E nós somos (o fogo não sabe) o rebanho mudo que ascende a serra com os pés presos no chão. Só é possível o movimento (ele não sabe) quando uma das nossas sementes, arremessada pelo vento, acha abrigo na penúria da terra. Cego, o fogo é cego: rouba-nos (rouba e fica com nada) a imperceptível claridade e alumia a noite. Crema a cegueira da dúvida. Na natureza, o fogo não sabe, o luto revivifica. Da devastação surgirá uma flor. E o rebanho, da imobilidade perpétua, irá beber aí a brancura e começar de novo a caminhada no dorso da serra.

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