sexta-feira, 22 de março de 2013

SEGUNDA PESSOA

Alguém diz tu. Alguém sem nome.
É a terra e o corpo e é o rasto de um sentido.
Alguém diz tu à imagem que se esgarça,
à certeza de uma longínqua razão.
Longe. O passado. Nomes, errados nomes de desejo.
Cego de insónia, nem lembrar te posso.
Nem mesmo em sonho saberia ver-te.
És só o pronome, tu, a ondular-me na boca,
norte magnético num desespero em surdina.
És a sílaba que dói a dor solar de um sentido.
A história avança na cabra-cega sem rostos,
e eu vivo em ti o tu mais só da minha vida.


Óscar Lopes

O leitor emocionado partiu hoje. Nas noites de insónia escrevia poemas, mas só o que aqui transcrevo, 'Segunda pessoa', foi publicado, há mais de três décadas, na "Ilha dos Amores", edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Linguista, historiador da literatura, ensaísta, leitor, leitor apaixonado, Óscar Lopes deu a vida toda à "pobre gente, toda gente": a avó chorou de desgosto quando soube que ele era comunista. "E eu", contou um dia, "chorei, porque ela chorou".

Sem comentários: