sábado, 10 de outubro de 2009

O bosque

A visita a uma casa alfarrabista do Porto abriu, subitamente, o portão do bosque. Um remoto bosque harmonioso de árvores distintas e outras, agora, vulgaríssimas, que viajaram de longe para adornar a paisagem portuguesa. Procurava algo sobre José Marques Loureiro, homem que não precisava de abraçar as árvores para lhe saber a idade, e saí da Livraria Académica, de Nuno Canavez, sem pagar um tostão, com quatro volumes de Jornal do Horticultura Prática, “premiado na Exposição Hortícola de Lisboa de 1870, na de Gand de 1872, e na de Lyon de 1875”. Marques Loureiro criou e dirigiu o Horto da Virtudes, na cidade do Porto, que havia de povoar de plantas e árvores, marcadas pelo exotismo e raridade, os jardins do Norte de Portugal e alguns da vizinhas da Galiza. E fundaria também o jornal, que tinha Duarte de Oliveira como redactor, para divulgar os produtos da respeitada casa e aconselhar a amadores e profissionais as melhores técnicas de cultivo. Lentamente, o jardineiro e horticultor trazia claridade, novos sabores à sombria agricultura portuguesa e, não menos importante, outras tonalidades e beleza aos jardins, bosques e parques públicos.
Marques Loureiro testava as espécies nos viveiros e só depois as lançava no mercado. Tornou o Porto a pátria adoptiva da camélia ( “a rainha do Inverno”, como ele lhe chamava), difundiu em Portugal muitas outras espécies como, só para dar um exemplo, a erva-das-sete-sangrias: para quem não saiba, é o comum diospireiro, que ilumina as manhãs de Outono com seus frutos de fogo. Mestre na arte de enxertia, o cosmopolita jardineiro das Virtudes, sempre atento às novidades dos principais hortos europeus, através do seu jornal, verdadeiro manual de bem granjear a terra, ensinou um pouco de tudo. Até a aparentemente simples tarefa de capar o melão. Fruto de primeira ordem, dizia Loureiro aos seus leitores, trazido para o Ocidente “depois das primeiras expedições dos romanos contra a Pérsia, onde se encontra abundantemente no estado selvagem”. O melão carece de cultura cuidada, de regras no momento certo, e da geométrica e indispensável capação por via de tolher o avanço sôfrego das guias . Caprichoso, o melão. “Não admite meio termo, pode ser um verdadeiro manjar dos deuses ou um fruto detestável, que nem ao próprio diabo se poderá oferecer”. O Horto das Virtudes e o seu proprietário, um dos desses homens modernos num tempo arcaico que o Porto teve noutros tempos, ajudaram a mudar a agricultura portuguesa, diversificaram a nossa floresta, encheram os jardins, privados e públicos, de árvores de nome estranho, como araucaria, Ácer ou o bíblico sicômoro. Pergunta o leitor: a que propósito aparece aqui, desgarrada, esta prosa? Quem conhece os ciclos da natureza, sabe que começa agora a época da enxertia (garfo, mergulhia, borbulha, etc.) e do plantio de novas árvores, que aproveitam o repouso da terra para estender raiz. E plantar um árvore é bem mais empolgante do que escrever um livro.

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