Observa o rio enquanto caminha, parece pescador de pluma a traçar mentalmente o lance. “A morada das trutas será sempre a limpidez da água”, diz o homem. E logo entristece, envolto nessa trágica fragilidade de sabedoria antiga. Atravessa a ponte: cessa num círculo de sombra, espessa e balsâmica, que um cedro antigo recorta na estrada. “Os romanos inçaram os nossos rios, traziam de muito longe as trutas em odres. Saberá alguém, no nosso vertiginoso tempo, o que é um odre? A palavra”, continua o homem a pensar, no círculo de sombra, “a palavra: fala comigo, dir-te-ei de que tempo és”. Dá um passo em frente, ainda por dentro da sombra (a alma do cedro?), polegar inclinado: o automóvel afrouxa a marcha, ele mantém a posição do dedo. E, de súbito, o gesto acorda longínquo e inesperado pavor, acorda as palavras reciário, tridente, só depois: arena, a apinhada colorida rumorosa arena.
O homem entra devagar, como se fosse muito velho. O automóvel arranca, veloz. O homem pergunta,
Sabe o que é um odre?
É insensato deitar vinho novo em odre velho: rompe-se o odre, perde-se o vinho,
diz o motorista.
O homem pergunta,
O senhor é padre?
Não, sou gladiador. Obrigado por me ter poupado a vida.