terça-feira, 26 de março de 2013

A barca dos dias

um dia cheio de chuva

sobe lentamente a barca

na sereníssima água do tempo

talvez a juventude seja sonho incompleto

a bicicleta e o ramo dos lírios

as paixões escondidas no bolso

tão longe, tudo fica tão longe



para onde me leva a barca, eu sei.





vinte e seis de março de dois mil e treze

sexta-feira, 22 de março de 2013

SEGUNDA PESSOA

Alguém diz tu. Alguém sem nome.
É a terra e o corpo e é o rasto de um sentido.
Alguém diz tu à imagem que se esgarça,
à certeza de uma longínqua razão.
Longe. O passado. Nomes, errados nomes de desejo.
Cego de insónia, nem lembrar te posso.
Nem mesmo em sonho saberia ver-te.
És só o pronome, tu, a ondular-me na boca,
norte magnético num desespero em surdina.
És a sílaba que dói a dor solar de um sentido.
A história avança na cabra-cega sem rostos,
e eu vivo em ti o tu mais só da minha vida.


Óscar Lopes

O leitor emocionado partiu hoje. Nas noites de insónia escrevia poemas, mas só o que aqui transcrevo, 'Segunda pessoa', foi publicado, há mais de três décadas, na "Ilha dos Amores", edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Linguista, historiador da literatura, ensaísta, leitor, leitor apaixonado, Óscar Lopes deu a vida toda à "pobre gente, toda gente": a avó chorou de desgosto quando soube que ele era comunista. "E eu", contou um dia, "chorei, porque ela chorou".

sábado, 2 de março de 2013

Utopia realizável

é na rua que tudo começa.


hoje foi lindo: hoje voltei

a ter orgulho de ser português.

hoje vi gente com uma cábula

a cantar a grândola

gente jovem a descobrir abril



na rua tudo começa

na rua a palavra se faz substância de utopia realizável.